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Créditos: Juca Martins |
Por Fernanda Dantas Vieira
A história é uma narrativa, disso não há dúvidas. Quando abrimos um
livro de história, ou ouvimos uma aula, ou estudamos para o vestibular,
sabemos que aquilo que nos é contado é uma narrativa, uma forma de
interpretar os fatos, a partir de certa perspectiva relacionada a um
sujeito específico. Uma forma de olhar, ou como nos diria Donna Haraway,
em seu artigo, “Saberes Localizados“, uma tecnologia do olhar.
Um saber localizado, a partir dos “corpos que importam” naquele contexto. Com a história da Ditadura
ocorreu o mesmo. Nós aprendemos a lê-la e conhecê-la a partir de
narrativas de heróis: Carlos Marighela, Vladimir Herzog, Frei Tito, e
tantos outros nomes, que nos surgem em narrativas (merecidamente)
heróicas de luta pela democracia.
Aos poucos, a história começa a nos contar nomes de mulheres, um
trabalho árduo de pesquisadoras e feministas que olham novamente para
aquele período e se perguntam: Onde estavam as mulheres? Assim surgiram
nomes de mulheres vitais na luta contra o Regime Militar de 64: Amélia
Teles, Ana Maria Aratangy, Crimeia de Almeida, Nildes Alencar, Maria
Aparecida Contin, entre outras. Mulheres que foram invisibilizadas pelos
relatos hegemônicos (masculinos) do período, mas que têm surgido como
nomes importantes na luta pela redemocratização do país.
O saber histórico, ou seja, das narrativas, está em constante
disputa. Precisa ser visto e revisto o tempo todo. No caso específico
das pessoas transexuais, travestis, gays e lésbicas, é preciso um
esforço na releitura do período da Ditadura civil-militar para
encontrarmos nossa participação. Tanto as violações que sofremos, quanto nossa participação nas lutas,
como foi o caso de Herber Daniel, do Colinas (Comando de Libertação
Nacional), organização à qual também pertenceu Dilma Roussef, nossa atual Presidenta.
Herber Daniel (Herbert Eustáquio de Carvalho), como nos relata o
historiador James Green, brasilianista da Brown University, que por ser
um homem gay, teve de esconder sua sexualidade para poder pertencer ao
coletivo de luta anti-golpe, uma vez que a figura do homossexual, era
tão apagada, desprezada e temida, que nem mesmo nos meios de esquerda
eles eram aceitos.
O homem gay afeminado não “combinava” (cof) com a Revolução,
havia, obviamente, um ideal de corpo revolucionário – este era
geralmente viril, forte, másculo, heterossexual, cisgênero -, e não um
corpo “degenerado”, “perverso”, “doentio” e “afeminado”.
Assim como Hebert, suponho que muitos outros homossexuais não podiam
viver sua sexualidade livremente dentro de coletivos anti-golpe. Mas não
foi apenas na “esquerda” que enfrentamos a intolerância e o preconceito. O governo autoritário da Ditadura Militar, tinha também, obviamente, um ideal de “povo”
e de corpo são. Para isso, pôs em curso, um processo de higienização e
caça à homossexuais, travestis, transexuais, e todo e qualquer desviante
sexo-gênero, e “degenerados”. Amparados por uma ideologia
cristã de família e moral, os governos municipais e estaduais realizaram
verdadeira caça à homossexuais e travestis no Brasil, como nos conta o
relatório da Comissão Nacional da Verdade – CNV , em capítulo destinado à
violência contra a população LGBT.
Texto na íntegra: www.pragmatismopolitico.com.br
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